Thursday, October 30, 2008

Deficiências

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Tuesday, October 28, 2008

Man meausuring Clouds

Sunday, October 19, 2008

Uma Aprendizagem



Clarice Lispector

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Monday, October 13, 2008

As Mulheres têm fios desligados II


...
aí estão eles a alterarem a agressividade com a súplica, ora violentos ora infantis, a fazerem esperas, a chorarem nos SMS a levantarem a mãozinha e, no instante seguinte, a ameaçarem matar-se, a perseguirem, a insistirem, a fazerem figuras tristes, a escreverem cartas lamentosas e ameaçadoras, a entrarem pelo emprego dentro, a pegarem no braço, a sacudirem, a mandarem flores, eles que nunca mandavam flores, a colocarem-se de plantão à porta dado que aquela puta há-de ter outro e vai pagá-las, dispostos a partes-gagas, cenas ridículas, gritos.
A miséria da maior parte dos casais, elas a sonharem com o Zorro, Che Guevara ou eu, e eles a sonharem com o decote da vizinha de baixo, de maneira que ao irem para a cama são quatro: os dois que se deitam lá e os outros dois com quem sonham. Sinceramente as minhas filhas preocupam-me: receio que lhes caia na sorte um caramelo que passe à frente delas nas portas, não lhes abra o carro, desapareça logo a seguir por chichi-sede-fome-persiana-mal-descida-e-os-ladrões-percebes, não se levante quando entram, comece a comer primeiro e um belo dia. (para citar noventa por cento dos escritores portugueses)
- O problema não está em ti, está em mim
a mexerem na faca à mesa ou a atormentarem a argola do guardanapo, cobardes como sempre.
Não tenho nada contra os homens: até gosto de alguns. Dos meus amigos. de Schubert. de Ovídio. De Horácio. De Virgílio. De Velasquez. De Rui Costa. De Einzenberger. Razoável a minha colecção.
Não tenho nada contra os homens a não ser no que refere às mulheres. E não me excluo: fui cobarde, idiota, desonesto.
Fui (espero que não muitas vezes) rasca.
Volta e meia surge-me na cabeça uma frase de Conrad em que ele comenta que tudo o que a vida nos pode dar é um certo conhecimento dela que chega tarde de mais.
Resta-me esperar que ainda não seja tarde para mim.
A partir de certa altura deixa de se jogar às cartas connosco mesmos e de se fazer batota com os outros.
O problema não está em ti, está em mim, que extraordinária treta.
Como os elogios que vêm logo depois: és inteligente, és sensível, és boa, és generosa, oxalá encontres, etc. que mulher não ouviu bugigangas destas?
Uma amiga contou-me que o marido iniciou o discurso habitual
- Mereces melhor que eu
levou como resposta
- Pois mereço. Rua.
Enfim, mais ou menos isto, e eu estou a ver a cara dele à banda.
Nem uma lágrima para amostra.
Rua.
A mesma lágrima para amostra.
Rua.
A mesma amiga que para uma amiga sua
-O que faço com as cartas de amor que me escreveu?
e a amiga sua
-Manda-lhas. Pode ser que lhe façam falta.
Fazem de certeza: é só copiar mudando o nome.
Perguntei à minha amiga
-E depois de ele se ter ido embora?
-Depois chorei um pouco e passou-me.
Ontem jantámos juntos.
Fumámos um cigarro no automóvel dela, fui para casa e comecei a escrever isto.
Palavra de honra que na janela uma árvore a sorrir-me.
Podem não acreditar mas uma árvore a sorrir-me.

António Lobo Antunes
in Visão

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Thursday, October 09, 2008

As mulheres têm os fios desligados


Há uns tempos a Joana
- Pai, acabei um namoro à homem
perguntei como era acabar um namoro à homem e vai a miúda
- Disse-lhe o problema não está em ti, está em mim.
o que me fez pensar como as mulheres são corajosas e os homens cobardes.
Em primeiro lugar só terminam uma relação quando têm outra. Em segundo lugar são incapazes de
-Já não gosto de ti
de
- Não quero mais
chegam com discursos vagos, circulares
- Preciso de tempo para pensar
- Não é que não te amo, amo-te, mas tenho de ficar sozinho umas semanas
ou declarações no género de
- Tu mereces melhor do que eu
- Estive a reflectir e acho que não te faço feliz
- Necessito de um mês de solidão para sentir a tua falta
e aos amigos
- Dá-me os parabéns que lá me consegui livrar da chata
- Custou mas foi
- Amandei-lhe aquelas lérias do costume e a gaja engoliu
-Chora um dia ou dois e passa-lhe
e pergunto-me se os homens gostam verdadeiramente das mulheres.
Em geral querem uma empregada que lhes resolva o quotidiano e com quem durmam, uma companhia porque têm pavor da solidão, alguém que os ampare nas diarreias, nos colarinhos das camisas e das gripes, tome conta dos filhos e não os aborreça.
Não se apaixonam; entusiasmam-se e nem chegam a conhecer com quem estão.
Ignoram o que ela sonha, instalem-se no sofé do dia a dia, incapazes de introduzir o inesperado na rotina, só são ternos quando querem fazer amor e acabado o amor arranjam um pretexto para se levantar
(chichi, sede, fome, a janela de que se esqueceram de baixar o estore)
ou fingem que dormem porque não há paciência para abraços e festinhas, pá, e a respiração dela faz-me comichão nas costas, a mania de ficarem agarradas à gente, no ronhónhó, a mania das ternuras, dos beijos, quem é que atura aquilo? Lembro-me de um sujeito que explicava
- o maior prazer que me dá ter relações com a minha mulher é pensar que durante uma semana estou safo
e depois pegam-nos na mão no cinema, encostam-se, colam-se, contam histórias sem interesse nenhum que nunca mais terminam, querem variar de restaurante, querem namoro, diminuitivos, palermices e nós ali a atura-las.
O Dinis Machado contava-me de um conhecedor que lhe aclarava as ideias
- As mulheres têm os fios desligados
e um outro elucidou-me que eram como os telefones: avariam-se sem que se entenda a razão, emudecem, não funcionam e o remédio é bater com no aparelho na mesa para que comecem a trabalhar outra vez. Meu Deus, que pena me dão as mulheres. Se informam
- Já não gosto de ti
se informam
- Não quero mais
...

António lobo Antunes
in Visão 31 julho 2008

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