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aí estão eles a alterarem a agressividade com a súplica, ora violentos ora infantis, a fazerem esperas, a chorarem nos SMS a levantarem a mãozinha e, no instante seguinte, a ameaçarem matar-se, a perseguirem, a insistirem, a fazerem figuras tristes, a escreverem cartas lamentosas e ameaçadoras, a entrarem pelo emprego dentro, a pegarem no braço, a sacudirem, a mandarem flores, eles que nunca mandavam flores, a colocarem-se de plantão à porta dado que aquela puta há-de ter outro e vai pagá-las, dispostos a partes-gagas, cenas ridículas, gritos.
A miséria da maior parte dos casais, elas a sonharem com o Zorro, Che Guevara ou eu, e eles a sonharem com o decote da vizinha de baixo, de maneira que ao irem para a cama são quatro: os dois que se deitam lá e os outros dois com quem sonham. Sinceramente as minhas filhas preocupam-me: receio que lhes caia na sorte um caramelo que passe à frente delas nas portas, não lhes abra o carro, desapareça logo a seguir por chichi-sede-fome-persiana-mal-descida-e-os-ladrões-percebes, não se levante quando entram, comece a comer primeiro e um belo dia. (para citar noventa por cento dos escritores portugueses)
- O problema não está em ti, está em mim
a mexerem na faca à mesa ou a atormentarem a argola do guardanapo, cobardes como sempre.
Não tenho nada contra os homens: até gosto de alguns. Dos meus amigos. de Schubert. de Ovídio. De Horácio. De Virgílio. De Velasquez. De Rui Costa. De Einzenberger. Razoável a minha colecção.
Não tenho nada contra os homens a não ser no que refere às mulheres. E não me excluo: fui cobarde, idiota, desonesto.
Fui (espero que não muitas vezes) rasca.
Volta e meia surge-me na cabeça uma frase de Conrad em que ele comenta que tudo o que a vida nos pode dar é um certo conhecimento dela que chega tarde de mais.
Resta-me esperar que ainda não seja tarde para mim.
A partir de certa altura deixa de se jogar às cartas connosco mesmos e de se fazer batota com os outros.
O problema não está em ti, está em mim, que extraordinária treta.
Como os elogios que vêm logo depois: és inteligente, és sensível, és boa, és generosa, oxalá encontres, etc. que mulher não ouviu bugigangas destas?
Uma amiga contou-me que o marido iniciou o discurso habitual
- Mereces melhor que eu
levou como resposta
- Pois mereço. Rua.
Enfim, mais ou menos isto, e eu estou a ver a cara dele à banda.
Nem uma lágrima para amostra.
Rua.
A mesma lágrima para amostra.
Rua.
A mesma amiga que para uma amiga sua
-O que faço com as cartas de amor que me escreveu?
e a amiga sua
-Manda-lhas. Pode ser que lhe façam falta.
Fazem de certeza: é só copiar mudando o nome.
Perguntei à minha amiga
-E depois de ele se ter ido embora?
-Depois chorei um pouco e passou-me.
Ontem jantámos juntos.
Fumámos um cigarro no automóvel dela, fui para casa e comecei a escrever isto.
Palavra de honra que na janela uma árvore a sorrir-me.
Podem não acreditar mas uma árvore a sorrir-me.
António Lobo Antunes
in Visão
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